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domingo, 19 de dezembro de 2010

Uma língua dos judeus - Álvaro Cunha / Especial para o AHJB





Migração judaica após a expulsão de Espanha em 1492




Para os ascendentes dos sefaradim, judeus da Península Ibérica, 5252 − 1492 pelo calendário cristão − é concebido como o desditoso ano, em que personae non gratae (a rainha Isabel de Castela, o rei Fernando de Aragão e o frade dominicano Torquemada) e acontecimentos (Inquisição e expulsão) afligiram os israelitas da região.
Muitos foram assassinados e suas propriedades usurpadas mesmo antes de dizerem adeus, outros dissiparam-se da Espanha e se precipitaram mundo afora, rumando para longe da Península Ibérica. A Inquisição, tribunal eclesiástico conhecido como Santo Ofício e que perseguia judeus, muçulmanos e irreligiosos, tornou-se famosa em razão da sangria, queimações em praças públicas e torturas. Sob a égide do 4¢ª Concílio de Latrão, em 1215, esteve em intenso exercício até a primeira metade do século 19, sendo mais inflexível na Espanha e em Portugal.




A língua usual dos sefardim que imigraram para a Turquia, Sérvia, Bulgária, Romênia, Grécia, Israel, França e regiões circunvizinhas, foi o ladino; a dos que imigraram para o norte da África,  ficou conhecida como hakitía.
Apesar de ambas terem a mesma origem − castelhano −, o ladino é basicamente o idioma de Castela do século 15, recheado de palavras turcas, italianas, gregas, francesas, hebraicas, entre outras, mas com a idiossincrasia fonético-fonológica e morfossintática ibérica. Não  muito diferente, a hakitía resulta da soma de três idiomas − 42% de castelhano do século 15, 38% de árabe marroquino e 20% de hebraico litúrgico −, que é igual ao judeu-marroquino.
Hakítico-falantes entendem o que ladino-falantes querem dizer, mas o contrário não é verdadeiro. A hakitía é mais oral que escrita, fala-se com maior freqüência do que se escreve; há irrisórios documentos oficiais e religiosos, contudo o número de missivas familiares é relativamente significativo. Não se chegou a um consenso para definir a grafia da hakitía − em caracteres latinos ou hebraicos. Os hakítico-falantes nunca se importaram em estabelecer um alfabeto para a língua.
Os judeus sefardis, séculos atrás, experimentaram uma situação de isolamento absoluto − social, cultural e linguístico −, se comparados com seus patrícios de outras regiões.  Criaram, então, formas especiais de falar, seja por particularidades culturais ou por autodefesa, a fim de se comunicarem sem serem compreendidos por não-judeus.
As chamadas línguas judaicas surgiram por pelo menos três razões. 1- Segregação: os judeus não adquiriram as normas dos dialetos não judaicos coterritoriais por causa da exposição limitada à sociedade não judaica. Como resultado, eles podiam não seguir normas não judaicas de padronização. Suas línguas, cortadas das inovações lingüísticas que afetavam os falantes não judeus, se tornavam arcaicas; 2- Separatismo religioso: o judaísmo encorajaria o uso do hebraico e do aramaico e apresentaria relativo fechamento para os termos da língua nativa que denotassem conceitos religiosos não judaicos e línguas litúrgicas não judaicas; 3- Migrações: com a expulsão, aumentou a probabilidade de os judeus ficarem mais largamente expostos a dialetos heterogêneos e a línguas estrangeiras do que a população não judaica relativamente mais sedentária.
Religiosos sefaradim passaram para o ladino centenas de páginas que continham preces e escritos judaicos. O primeiro documento impresso apareceu em Constantinopla, no ano de 1510. Já para documentos vazados em hakitía é improvável que haja um lugar e uma data tão precisa,  pois essa variante linguística judaico-românica era considerada uma fala de comunicação estritamente oral e popular, sem finalidade religiosa.
No desfecho da Idade Média (1453), num ambiente permeado pela ideologia religiosa intolerante e por interesses político-econômicos tenebrosos, milhares de judeus − homens, mulheres, crianças e idosos − expulsos da Espanha  ficaram órfãos da pátria na qual nasceram e cresceram e que ajudaram a construir e desenvolver. Após a queda do reino de Granada, os reis cristãos puseram fim à existência dos judeus no território ibérico.
Acolhidos no Império Otomano pela dinastia dos Banu Marin, esta  foi complacente com os judeus a ponto de lhes dar proteção, ainda que em troca do pagamento de impostos. Outra curiosidade é que os judeus não serviam às armas e gozavam de liberdade intelectual, judicial e religiosa. A maioria dos historiadores israelenses enfatiza que, no Marrocos, os israelitas tinham relativa autonomia. Estabeleceram de forma independente seus próprios conselhos e suas próprias instituições jurídicas, ficando aos cuidados da legislação muçulmana apenas os casos de delitos criminais. Fora isso, os judeus tinham voz e vez.
Por fim, a hakitía acaba de se constituir num veículo lingüístico comum a uma parcela de judeus procedentes da Espanha e de Portugal, os quais foram vítimas do primeiro holocausto do povo israelita.

Álvaro Cunha é jornalista e professor.



terça-feira, 7 de dezembro de 2010

A vida sempre pregando suas peças...

Como poderão perceber, ontem mesmo, postamos uma divulgação sobre o livro recém lançado em Belém, pelo judeu paraense, Marcos Serruya, Cabelos de Fogo.
Tomamos tal decisão, a partir de uma conversa entre David Salgado e Elias Salgado, sobre como e quando tentaríamos realizar o lançamento do livro no Rio e  que precisávamos ajudar mais na divulgação do mesmo.
No momento do "post", Marcos já não se encontrava entre nós, mas a notícia ainda não havia chegado por aqui...
Tentaremos fazer de conta que nada aconteceu,ok? E mais do que nunca reverenciaremos a memória deste grande "ibri", fazendo o que nos pediu: ajudá-lo a divulgar sua obra. Para tanto, o Amazônia Judaica e o Universo Sefaradi envidarão todos os esforços para tentar realizar o lançamento de seu livro no Rio e onde mais seja possível.
David o conhecia muito bem, eram grandes amigos, portanto, postamos, a seguir, o que ele escreveu sobre nosso saudoso Marcos, no Blog do Amazônia Judaica


Marcos Serruya, na noite de lançamento de seu último livro, Cabelos de Fogo,em Belém


O óbvio que nunca é tão óbvio assim!

Todos nós sabemos que o Dr. Marcos tem problema sério de coração! Ninguém aqui pode dizer, eu não sabia!!!

Nem por isso, o óbvio é tão óbvio assim!

Um ser humano de verdade, humano com todos; com seus familiares, com seus amigos, com seus correligionários, com seus colegas profissionais, com seus pacientes, verdadeiramente muito humano.

Mas também muito espiritual, muita alma, muita vida. Inúmeras vidas, talvez até mais que sete, vidas após a morte e até vidas passadas.

Meu mais exemplar aluno!

Sim, dar aula de hebraico para o Dr. Marcos, é mais que um prazer, é uma lição, é muito mais aprender que propriamente ensinar. E todos nós aprendemos com ele, eu, Raquelita e Moises, todos aprendemos com o Kito.

Meu querido e eterno presidente!

Trabalhamos pela comunidade juntos, mesmo assim de tão longe, eu aqui em Israel e ele aí em Belém, continuamos trabalhando. Sua vida sempre repleta de afazeres, compromissos, mas nada mais importante, nem mesmo seu consultório é mais importante que a reunião de Diretoria do CIP ou da Sinagoga, ou a Festa de Chanuká, ou a de Purim... que valor tem sua vida sem esses prazeres comunitários... simplesmente nenhum.

Seu final de semana é com a família, sempre reunido com suas meninas, Celeste, Ingrid, Ava, com Debora e Karen mesmo que a seu estilo, sempre em casa quando não viaja para Mosqueiro. Mesmo quando ligo de Israel o encontro em familia aos domingos.

Meu grande amigo!

Sabe aquela história do encontro marcado de Fernando Sabino, pois é, eu e Marcos temos um encontro marcado todos os dias, quando faço minhas orações diárias encontro com o Marcos, também quando estou lendo jornal, vendo televisão, ouvindo notícias, dirigindo meu carro, sempre temos um encontro marcado. Meu grande amigo, são poucos.

- Marcos olha o coração. Dr. se cuida, não brinca com ele...

E assim como sempre falamos do futuro... futuro da comunidade, futuro do Brasil, futuro do Estado de Israel, sempre do futuro... reluto, recuso-me a falar no passado.

Um homem com tanta vida, mesmo sendo o mais óbvio no seu caso, por seu coração, para mim, não é tão óbvio assim.

Ele não morreu e não morrerá jamais.

Desejar a Marcos Serruya, 120 anos de vida, é nada no oceano de tantos anos que ele tem pela frente.

Marquito, meu amigo, viva para todo o sempre!!!



David Salgado – Jerusalém

Quinta vela de Chanuka 5771.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Romance de Marcos Serruya sobre uma das facetas da imigração dos judeus para a Amazônia é lançado em Belém

"Cabelos de Fogo" tem seu lançamento previsto para o mês de outubro em Belém do Pará.
"Quando Ionathan começou a pesquisar a vida de sua bisavó, não tinha idéia da gravidade dos fatos que iria desvendar"
 
Em Cabelos de Fogo, uma história baseada em fatos reais ocorridos por volta de 1906, o autor, Marcos Serruya, deixa sua marca peculiar de escritor, já conhecida por seus leitores de "O Cabalista", contribuindo para o alargamento da visão de mundo de seu público. Num livro de 132 páginas, capa de Moisés Unger e prefaciado pela escritora e poetisa Ivaíza Rodrigues, é resgatada uma das mais obscuras facetas da história da imigração judaica para o Brasil, contada a partir da perspectiva da personagem central.
A obra é parte das comemorações dos 200 anos da presença judaica na Amazônia.
O livro pode ser adquirido através do Amazônia Judaica. Faça seu pedido pelo e-mail -portal200anos@gmail.com

Audiência real aos hispano judeus do Marrocos e suas diásporas

Entre 15 e 17 de novembro A Casa Sefarad  realizou o evento “ Os hispano judeus do Marrocos e suas diásporas", do qual participaram representantes das principais comuunidades sefaraditas do mundo, cuja origem  remonta a Tanger, Tetuan, Larache Xauen e outras cidades cravadas no coração e na história do Marrocos





No dia 15 aconteceu uma audiência concedida pelo rei Juan Carlos I no Palácio  de La Zarzuela. A presença do rei de Espanha conferiu ao encontro um supremo valor simbólico e institucional, e um grato reconhecimento pelo empenho de nossa instituição. Sua Majestade, saudou um a um dos aproximadamente 30 membros da comitiva..Com imensa naturalidade, falou dos muitos e bons amigos sefaraditas que encontrou em suas viagens pelo mundo, escutou as perguntas e agradeceu os presentes dos diretivos  das comunidades, se interessou pela nova sede da Casa de Sefarad e pelos passos da plataforma Erensya.

Fonte: Casa Sefarad-Israel – http://www.casasefard-israel.es/

sábado, 4 de dezembro de 2010

Memória e preservação: uma conversa entre pares- Elias Salgado

Ontem, reencontrei um antigo companheiro de luta pela causa da cultura sefaradí, o doce amigo, Dr. Luiz Benyosef.
Nos conhecemos no final dos anos 90, no escritório de Alberto Nasser, levados nós e outros "sfatas" ( palavra formada pelas iniciais de sefaradís autênticos, em língua hebraica), pelo entusiasmo de Nelson Menda, para juntos fundarmos o CONFARAD e realizar, no Rio, o seu primeiro congresso.
Vem de lá minha admiração por este geofísico, pesquisador titular do Observatório Nacional, um antenado com o universo e amante incondicional das coisas e das causas humanas, em particular as judaico-sefaraditas.
Sempre apreciei em Benyosef, a simplicidade aristocrática de sua sapiência - um jeito "cool",  poderia dizer "kal", do hebraico - leve. Acho que é isso - uma sábia leveza de ser...
Posso dizer todas estas coisas sobre ele, para só depois lembrar, que como eu, é neto de tangerinos e também ama nossa ancestralidade e toda a sua tradição, mas se o fizesse primeiro, me julgariam suspeito, parcial, tendencioso...


Luiz Benyosef, no Encontro das Águas, em Manaus, em sua visita as comunidades da Amazônia


Por contingências diversas nos afastamos um pouco, mas jamais deixei de seguir suas pegadas...
Eu fui tratar da minha paixão deslavada pelo judaísmo amazônico e ele seguiu ativo no CONFARAD, além de fazer um trabalho brilhante como diretor de pequenas comunidades da FIERJ – e foi nesta nova missão, que Benyosef, em parceria com o saudoso casal Egon e Frieda Wolff de abençoada memória, “cometeu” sua, até aqui, na minha humilde opinião, maior contribuição à memória da presença judaica em terras fluminenses, a criação do Memorial Judaico de Vassouras, o qual preside.
 Para conhecer a dimensão e importância de tão magnífica obra, acesse www.memorialjudaico.org.br/.   E antecipamos que o UNIVERSO SEFARADÍ e a revista AMAZÔNIA JUDAICA, estão preparando uma matéria especial sobre o tema.
Mas voltemos ao nosso (re)encontro. Ele se deu na Adega Portugália, bem ali no tradicional Largo do Machado, outro lugar especial da memória do Rio e da minha pessoal.
Falamos sobre isso e também, é claro, da nossa paixão comum: a memória e sua preservação, rememorando nossas origens pessoais comuns de netos de judeus marroquinos oriundos de Sefarad (Espanha), com suas particularidades – ele mineiro, cujos avós marroquinos se estabeleceram na Bahia e eu amazonense, cujos avós de mesma origem, se estabeleceram no Amazonas. Quase nada em comum...E para agravar ainda mais, dois grandes contadores de “causos”. E eu, como sempre, não perco o hábito de roubar os causos narrados por outros e registrá-los como um fiel escriba.
Pois vamos à história em questão:
me contou Luiz, que em 1998, teve a felicidade de realizar seu sonho de voltar ao  local de origem de seus antepassados, o Marrocos. Narrou com o entusiasmo e a graça de contador que lhe é peculiar, a maravilhosa e emocionante experiência ali vivida, e selecionou, como um exímio pescador de ostras seleciona a melhor de suas pérolas, a seguinte passagem da viagem, como destaque.
Aconteceu, me contou, que estando em  Tanger de nossos avós, resolveu, entre várias visitas, conhecer a sinagoga da família Benatar, escolhendo como momento oportuno de  ali chegar, a hora da tefilá (oração).
Eu não sei vocês, caros leitores, mas eu, muitas vezes não sei o que pensar de certos acontecimentos , tipo aqueles que se assemelham a coisas quase inexplicáveis. Não que eu seja totalmente cético – não se esqueçam da minha ancestralidade espanhola, em cujo idioma há um dito bastante conhecido: “no creo en brujas, pero que las hay, las hay”... e mais ainda,  da minha vertente marroquina, cuja tradição, entre outros elementos centrais, possui uma forte crença no poder e nas façanhas de seus tzadikim(justos). E para agregar mais “pimenta” lembro da nossa literatura rabínica, o Talmud, que entre várias coisas afirma o seguinte: o mundo, a cada geração, se mantém de pé, graças à existência de 36 justos ocultos que justificam sua preservação.
Mas voltemos ao meu amigo Luiz e sua visita à sinagoga. Me contou que ao chegar naquele recinto sagrado, se deparou com nove homens que o receberam com um misto de euforia e surpresa de quem vê chegar, finalmente, alguém por quem ansiosamente esperavam: “ Oh. finalmente você chegou, já podemos começar, então”
Foi quando ele percebeu que era o décimo homem no lugar e que com ele podiam formar o minian (quorum mínimo para se rezar coletivamente).

Até aí nada demais, certo? Mas acontece que não chegou mais ninguém depois dele...

Luiz Benyosef, na Sinagoga da família Benatar em Tanger, durante sua viagem ao Marrocos em 1998